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Um conto

Estação

        Entrei sem esperança nenhuma pra que não me frustrasse de novo. Naquele dia haviam me dito várias vezes que eu não conseguiria, mas não me importava, não iria desistir. Mesmo que minha cabeça dissesse que havia uma remota chance de eu encontrá-lo, meu coração dizia o que eu queria que acontecesse e, principalmente, dizia a verdade.
        Como passava um pouco do meio-dia de domingo, a estação de trem estava cheia. Havia gente transitando sem parar, de um lado para o outro. Quando cheguei lá, comecei a andar pelo vasto salão – que estava cheio. Aquela era minha rotina: todos os dias à procura, à espera. Essa procura era exaustiva, porém incessante. Cheio de expectativa, meu coração bombeava o sangue a uma velocidade frenética, poucas vezes ritmado. Estava exausto também.
        Fazia três meses que eu me encontrava ali, naquela estação, todos os dias, à procura do causador da maior dor que já senti: a dor da saudade, da falta. No inicio era como uma agonia ininterrupta, mas à medida que o tempo passava, a dor aumentava até se alojar em meu peito e arder. Parecia que eu estava me afogando e minha garganta ficava sufocada. Não era possível gritar.
        Na estação era possível encontrar pessoas apressadas, atrapalhadas com o numero de pertences, pessoas que esperavam sua vez em filas intermináveis para comprar passagens, pessoas cansadas de tanto esperar pelo trem... Pessoas. Aquelas pessoas combinavam com o cenário da estação, mas eu também estava lá e não combinava nada. Era como colocar em um vestido amarelo um cinto azul turquesa. Passava a imagem de alguém perdido. Eu estava fora do lugar. Andava em círculos sem um porquê.
        O sol já estava se pondo e eu continuava a andar em círculos, derrotada por dentro e por fora. Me perguntava se as pessoas me achavam maluca por fazer a mesma coisa sem sentido todos os dias. No fundo, ainda sobrava um pouco de sanidade em mim e ela me obrigava a saber que aquilo não me levaria a lugar algum, mas me fazia ter esperança – era a única coisa que eu precisava no momento. E se eu não estivesse ali, talvez estivesse vagando por algum beco escuro, sem rumo e perdida. Andar em círculos passava a ser lucro.
        Pra não viver histórias inventadas –, ou seja, ficar maluca – sempre ocupava minha cabeça. Geralmente rebuscando em minha memória o início daquela história. A cena do carro virado me impedia de pensar em qualquer outra coisa e a culpa voltava à vida dentro de mim. Era o pior pesadelo que eu poderia ter. Como um lugar escuro onde nunca encontraria algum tipo de luz. Sentei no banco onde ele sempre sentava para me esperar e lembrei que sempre que olhava pra ele ali me lembrava de Forrest Gump. Sorri. Assim que sentei encostei cabeça e pus-me a chorar discretamente tendo em mente a cena do meu pior pesadelo.
        Vencida pelo cansaço, deixei que minhas pálpebras pesadas caíssem e adormeci.

        De repente estava em um campo, andando em direção a ele. Via lírios, girassóis e orquídeas. Certamente era o lugar mais lindo que já havia visto. E então ele disse:
– Não tenha medo. Eu estou bem. Você precisa viver sua vida. Não pode se prender a mim desta maneira. Um dia iremos nos encontrar de novo, eu prometo. Há esperança... E não sou eu. Não irei aparecer lá naquele banco e não fique triste por isso, por favor. Eu te amo, mas quiseram que fosse assim. Sua esperança virá em forma de vida, quer dizer, veio. Só precisa procurar em você.

        Acordei.Olhei em volta e já era de manhã. Ainda chorava, mas era pelo choque. Eu queria ter dito alguma coisa e não consegui. Estava na estação. Ele dissera que não voltaria. É claro! E eu era a culpada. Mas o que eu estava fazendo ali? Por que pensei que o acidente que tirara o amor da minha vida de mim era mentira? Será por que quem estava no volante era eu? O que se passava por minha cabeça quando tinha certeza de que aquilo tinha sido só mais um pesadelo e que ele sairia do trem como se estivesse voltando de mais uma viagem a trabalho?
        Não sei.
        Menti pra mim mesma o tempo inteiro. Mas de alguma forma a mentira me ajudou a suportar o vazio que ficou em mim. E depois de tudo que ele havia me dito, eu estava em paz por ele estar também. Eu sabia que só iria o encontrar quando meu coração já não funcionasse mais e se eu fizesse isso forçosamente ele iria ficar triste apesar de passar a conviver comigo novamente. A culpa viveria comigo pro resto da vida por ter sido eu a responsável por interromper as batidas de seu coração. Alem de tudo, ele havia dito que eu ainda tinha esperança. Esperança em forma de vida. Não entendi muito bem, mas tenho cá minhas suposições. Será que ele deixou alguma coisa comigo? Em mim? Além de lembranças, o que mais poderia ser?